PASTOR E JOGADOR DE FUTEBOL
Estes são personagens totalmente diferentes, mas quero destacar
uma semelhança entre as duas situações. A questão da remuneração. É muito comum se pensar que
todo jogador de futebol ganha muito dinheiro, quando a realidade é que uma
pequena parte ganha muito dinheiro enquanto a maior parte ganha pouco e
luta para sobreviver.
O pastorado é parecido nesse aspecto. O que aparece é a
situação dos pastores televisivos e de igrejas que seguem a chamada “Teologia
da Prosperidade” (que obviamente é uma deturpação do ensino bíblico), e por
isso se pensa que pastor ganha muito dinheiro. Mas a realidade da maioria dos
pastores é de baixos salários e pouca valorização.
Sim, é verdade que muitos pastores que ganham pouco,
terminam tendo bens e oportunidades que nem sempre uma pessoa que não vive do
ministério consegue. Entendo que isso se dá porque Deus abençoa a dedicação e
abnegação dessas pessoas. E entendo também que Deus compensa a negligência de
muitas igrejas que tem uma visão errada nessa área. Infelizmente muitas igrejas
decidem sobre o sustento dos seus obreiros, lançando mão de comparações como outros
membros na igreja que ganham muito pouco e “vivem felizes” e “satisfeitos” (o
que não é verdade, diga-se de passagem). Às vezes esses outros irmãos fazem
parte da própria liderança da Igreja.
Das possíveis razões pelas quais as igrejas tratam dessa forma
a questão do sustento dos obreiros, quero destacar duas que julgo mais básicas,
embora pouco admitidas.
Primeiro, o medo
da já mencionada “Teologia da Prosperidade” tende a nos levar para o outro
extremo da “Teologia da Libertação” e de uma enrustida apologia da pobreza.
Infelizmente nos soa sempre mais espiritual ter pouco e sofrer privações do que
ter boas condições de vida. Anos atrás tive a experiência de ouvir de um líder
experiente, que o pastor deve ganhar pouco para depender mais de Deus. Não pude
deixar de responder que então ele também deveria ganhar pouco, pois a
dependência de Deus não é um privilégio só dos pastores, mas de todo cristão.
Aliás, a dependência de Deus é sempre difícil e desconfio que seja mais difícil
ainda na abundância do que na escassez.
Segundo, por
vivermos num país de desigualdades injustas e exploratórias, parece que desenvolvemos
uma noção culposa de prosperidade e ganhar bem soa como algo meio errado quando
comparado à miséria de muitos. Eu creio que a desigualdade e exploração social
devam ser combatidas pela igreja cristã como agência de manifestação dos
valores do Reino de Deus. Contudo, não creio que isso deva ser feito por uma
visão medíocre de se igualar na miséria dos outros, mas sim, por iniciativas
que elevem o padrão da miséria para a dignidade humana. O que eu quero dizer é que muitas igrejas são
tão exploratórias na sua relação com seus pastores e “funcionários” como o
sistema socioeconômico que elas condenam. Algumas preferem ter vários pastores
todos mal remunerados a terem poucos remunerados adequadamente. Obvio que estou generalizando e sei que
algumas igrejas estão fora desse padrão, mas sinceramente temo que a
mentalidade da mediocridade domine grande parte das chamadas igrejas
tradicionais. Se alguém pleiteia um aumento salarial ou alguma valorização
pessoal, isso parece absolutamente normal e justo socialmente falando. Se o
mesmo acontece na igreja, imediatamente recorremos aos que não tem e aos que
estão na dificuldade para refrear essa atitude. A pobreza, a miséria, a
perseguição e o sofrimento se tornaram para nós um grande obstáculo para o
desfrute da riqueza, do conforto e da própria alegria, como se essas coisas em
si mesmas fossem erradas ou pecaminosas.
Como alguém que decidiu viver “do” ministério, procuro me
pautar por duas convicções nessa área de sustento pastoral. Primeira,
não estou no ministério para ganhar dinheiro. Não é minha prioridade e não é
minha motivação, mesmo porque se meu objetivo fosse esse eu não escolheria o
chamado “ministério”. Segunda, creio
que as igrejas e organizações cristãs devem estar na vanguarda da valorização
pessoal e da remuneração digna para seus obreiros e “funcionários”. Já
completei 26 anos de ministério, dos quais apenas por um período muito pequeno eu
recebi o que era adequado pelo trabalho que eu realizava e para o
sustento digno de minha família.
Algum tempo atrás conversando com um colega que é pastor,
perguntei como estava a situação de sustento financeiro para ele e a família.
Depois de ouvir o valor que ele recebia (pouco menos de R$ 2.000,00), comentei
que devia ser bem difícil para ele. Sua resposta foi de que ele não tinha nada
a reclamar de Deus. Certamente de Deus eu também não tenho nada a reclamar,
pensei, mas teria muito a reclamar de
nossa postura como igreja nessa área. Infelizmente confundimos gratidão com
conformismo e consagração com resignação não reivindicatória. Sei que existem
situações e condições específicas que podem nos exigir um sacrifício especial
nessa área material e devemos estar prontos para isso. Mas não creio que Deus
esteja pedindo de alguém, que padeça
passivamente pelo descaso com que muitas igrejas e organizações cristãs
tratam seus obreiros.
Alguém pode pensar que tenho expectativas exageradas nessa
área. Na verdade minha expectativa é que nós como igreja superemos o simples
discurso e vivamos de maneira digna do
Senhor para o seu inteiro agrado, o que significa, em outras palavras, ser
coerente. Se isso é ter expectativas exageradas, sim, eu as tenho. Tenho as
mesmas expectativas de dignidade e valorização que qualquer cidadão tem ao
realizar um trabalho e penso que se temos essas expectativas com relação a um
empregador corrupto e pagão, muito mais poderíamos ter de uma Igreja que
supostamente quer manifestar os sinais do Reino de Deus.
Marcelo C.Silva
Obs. O texto acima não
é exaustivo sobre o assunto do sustento pastoral e por isso não reflete todos
os aspectos relacionados a essa difícil questão. Estou consciente que certos
trechos soam como generalização e de fato o são, no sentido de que fazem
referência a uma mentalidade generalizada e enraizada. Louvo a Deus pelas
igrejas e lideranças que já superaram as fraquezas que aponto no texto e sei
que existem outras histórias sobre o tema, mas na minha compreensão ainda são
casos raros. Estou aberto a comentários e observações contrários aos meus visto
não me julgar infalível em minhas percepções e interpretações.
Pr. Marcelo, muito bom o seu comentário a respeito deste assunto, pois percebo que o mesmo se tornou um fantasma que acaba assombrando e criando sérios problemas no meio do povo, ou seja, da Igreja.
ResponderExcluirPr. Cadu.
Quando iremos tomar um café? A paz
Meu irmão (de sangue mesmo)
ResponderExcluirCreio que em muitas oportunidades, usamos da Palavra, apenas aquilo que nos convém, pois, ao ler seu post, fiquei pensando em I Timóteo 5:17 e 18. Será que "entendemos" trata-se apenas da opinião do apóstolo Paulo e não de uma direção à ser seguida e inspirada pelo Espírito Santo de Deus. Bem possível!!!